Bati de leve no espelho, esfreguei, tirei do lugar e nada. Ele continuava exatamente o mesmo espelho velho de sempre – talvez não tão velho já que aquele não era o meu espelho.
Resolvi arriscar.
– Alexis? – falei – Se for você que está me observando através deste espelho como desconfio que seja faça algo. Por favor. Eu preciso de algum tipo de confirmação. Qualquer coisa. – não obtive resposta.
Tentei novamente encontrar algo que me desse à confirmação que precisava, mas não havia um único sinal suspeito. A única pista que tinha era a sensação guardada em meu peito de que era mesmo o Alexis que estava me observando. Talvez esse fosse o sinal.
– Alexis, eu espero que esteja bem. – comecei a falar – Estou me sentindo tão sozinha sem você. Bianor está me mantendo prisioneira, mas acho que já sabe. Eu te amo muito, nunca se esqueça disso.
– Falando sozinha? – uma voz feminina ecoou pelo quarto.
– Quem apareceu agora? – perguntei saindo do banheiro e tendo outra desagradável surpresa – Você?
– Imaginou que fosse o Papai Noel? – ela debochou.
– O quê? – fiquei assustada – O Bianor disse que você não iria mais me incomodar.
– Sim – ela sorriu – no espelho. Ele não disse nada em aparecer no seu quarto. Querendo ou não eu preciso te vigiar.
– Que ótimo! – bufei – Pelo visto eu não ganhei madrasta, mas sim uma babá malvada. Quando esse conto de fadas as avessas vai acabar?
– Acho que não vai demorar muito. – ela começou a flutuar deitada – Agora o final só irá depender de você.
– O que você quer aqui? – perguntei.
– Eu não já disse? – ela se aproximou de mim. Ainda flutuando. – Eu estou aqui para te vigiar.
– Eu não preciso de babá. – gritei.
– A questão não é essa. – ela me fez sentar – Eu fui obrigada a te vigiar. Eu também não tenho escolha. Sozinha eu não posso lutar contra Bianor.
– Mas você não está do lado dele? – perguntei.
– Eu estou do lado que você estiver. – ela respondeu voltando ao chão.
– Não faça piadas. – fiquei irritada.
– Mas eu não estou fazendo piadas. – ela sentou ao meu lado – Eu vou estar onde você estiver. Era para ser sempre assim.
– Gostaria de saber qual é o perfil de amizade dos loucos. – levantei – Eu só atraio gente maluca para o meu lado.
– Maluca não! – ela voltou a flutuar. Movia-se mais rápido desta forma – Eu sei muito bem o que eu estou dizendo. Você que é lerda demais.
– Você veio aqui para me insultar falsa Mallory? – perguntei muito irritada.
– Quem está insultando quem agora? – ela debochou – É a última vez que repito isso: estou aqui para te vigiar. Apenas para isso. Eu poderia muito bem ficar na minha, escondida em alguma sombra, mas estou aqui com você.
– Pois eu preferia que ficasse escondida ou voltasse pro espelho. – estava nervosa.
– Se é o que deseja – ela começou a desaparecer – Só achei que gostaria de conversar com alguém que pudesse te responder. Fiquei com pena de te ver tão sozinha.
– Espera! – segurei se braço que já estava sumindo – Tudo bem. Fique.
– Tem certeza? – ela sorriu – Eu anda posso voltar para o espelho.
– Tenho certeza. – respondi – Eu quero que fique.
Não achava que essa falsa Mallory fosse a melhor das companhias, mas ela tinha razão. Eu estava muito sozinha e não demoraria muito para que enlouquecesse devido a solidão. Era mais uma questão de necessidade do que vontade própria.
– Você parece com medo. – a falsa Mallory estava girando na cadeira do computador – Não se preocupe, eu não irei te machucar. Nem poderia.
– Eu não estou com medo. – estava sendo honesta – É apenas estranho.
– Você nunca me olha no rosto. – ela se aproximou de mim ainda sentada na cadeira – Por quê?
– Tudo bem. – resolvi admitir – Talvez você me assuste um pouco.
– Mas não devia. – a falsa Mallory segurou minha mão – Apesar de que as vezes temos medos de nós mesmos.
– O que quer dizer com isso? – perguntei – Você é só mais uma invenção de Bianor.
– Tem certeza? – ela perguntou – Olhe melhor para mim.
Pela primeira vez olhei diretamente para seu rosto, sem desviar o olhar. Não era por acaso que eu nunca conseguia encarar a Mallory. Todo o pavor que senti da primeira vez que havia visto voltou naquele momento.
Seu rosto agora se parecia muito mais com o meu do que da primeira vez em que a vi. Seus cabelos estavam menos desarrumados, mas seu olhar continuava transmitindo algo ruim. Não eram mais tão diabólicos, pareciam mais olhos determinados, iguais a de alguém que planejava uma vingança.
– Por mais que você insista em me chamar de “falsa”, eu realmente sou a Mallory.
– Impossível! – disse alto – Eu sou a Mallory.
– Não, você é a Beatriz! – ela respondeu – Eu sou a Mallory.
– Mas eu já tive provas o suficiente de que sou eu quem vai escolher o destino de Ofir. – estava ficando nervosa.
– Não sozinha. – Mallory flutuou para perto do meu ouvido – Eu também estarei lá.
– Fazendo o que? – perguntei.
– Ajudando você! – Mallory respondeu na mesma hora.
– Como você vai me ajudar? – perguntei – Isso está destinado apenas para mim.
– Não, isto está destinado a nós duas! – ela continuava flutuando a minha volta.
– Como você sabe? – perguntei gritando – Você escreveu a profecia?
– Não, mas conheço a verdadeira história por trás dela. – Mallory também ficou nervosa – A história que apenas os três guardiões mágicos conhecem. A história que ficou esquecida para o resto do mundo.
– E que história é essa? – gritei.
– Nós nascemos entre dois mundos. – ela também gritou.
– Que loucura é essa agora? – perguntei.
– Você nunca quis saber o motivo de você ser a escolhida?
– Sim, mas isso não importa! – falei alto.
– Garanto a você que sim! – Mallory parou de gritar – Existe um limite, ou melhor, existia um limite entre o mundo da Terra e o mundo de Ofir. Esse lugar se chamava Grammí.
– Grammí? – perguntei por perguntar.
– Este lugar foi criado para manter ligadas as duas dimensões. – Mallory continuou explicando – Era um local onde poucos encontravam. E nós nascemos exatamente neste local.
– Espere! – interrompi – Você não disse que não era qualquer um que encontrava este local.
– E realmente não era. – Mallory se sentou – Mas a vida as vezes nos leva por caminhos inesperados. Seja por conta do acaso ou pelo destino, mas isso não importa mais. O que importa aqui é que nossa mãe..
– Minha mãe! – corrigi.
– Nossa mãe – ela insistiu – conseguiu chegar a Grammí e nos teve.
– Você está dizendo que é minha irmã? – perguntei assustada.
– Não, pois apenas um bebê nasceu. – ela respondeu – Você. Eu. Nós. Não importa como nos chamamos, fazemos parte do mesmo espírito. Apenas fomos separados.
– Então você é apenas outra parte de mim? – perguntei.
– Exatamente. – Mallory respondeu – Eu e você somos a mesma pessoa. A magia que existia em Ofir afetou na hora do nosso nascimento. Parte de você, que sou eu, foi sugada para a dimensão de Ofir, enquanto você ficou na Terra.
– Não acredito. – estava pasma.
– Pois pode acreditar. – Mallory falou – Nunca reparou que você não é exatamente igual aos demais? Você ficou com o que havia de melhor, enquanto eu fiquei com tudo o que havia de pior da pessoa que nasceu naquele dia.
– Por acaso você teve muito azar durante a vida? – uma questão me veio a mente.
– Levando em conta que acordei há pouco tempo, acho que não. – ela não percebeu o que realmente queria dizer.
– Agora muita coisa está explicada. – disse para mim mesma.
– Como eu estava contando – Mallory continuou – Eu fui sugada para Ofir e fiquei em estado de vegetação, apesar de conseguir ver, ouvir e compreender tudo o que acontecia com você.
– E você não acordou antes por quê? – estava intrigada.
– A profecia de que chegaria alguém da Terra para salvar Ofir já estava escrita há décadas. – Mallory voltou a explicar – Estava apenas esperando que a peça chave nascesse para acontecer.
– Isso parece meio estúpido. – franzi os lábios.
– Mas é a verdade – ela se afastou de mim e seguiu para perto da janela – Você precisa acreditar. Nós precisamos...
– Precisamos do que? – perguntei.
– Ele está nos ouvindo! – Mallory se assustou.
– Quem está nos ouvindo? – perguntei.
– Quem mais poderia ser? – ela sussurrou e começou a desaparecer.
– Para onde está indo? – perguntei.
– Eu volto. – ouvi apenas uma voz baixa no meu ouvido.
Mallory tinha desaparecido, mas ainda tinha a sensação de que não estava sozinha. Olhei para a porta do banheiro e vi que uma imagem se formava no espelho. Corri para ver o que era.
A imagem estava um pouco embaçada, mas aos poucos pude começar a reconhecer o que estava sendo mostrado e não estava gostando nenhum pouco daquilo.
O castelo de Ofir estava em chamas, exatamente como no meu sonho. E eu estava presa, sem poder fazer nada. E isso – claro – não era nada bom.